segunda-feira, 6 de fevereiro de 2012

"Agora entendo que a morte é fácil, o amor é que é difícil"





Com direção de Gus Van Sant e roteiro de Jason Lew, "Inquietos" tem dois adolescentes como protagonistas em um enredo de temática forte: a morte. Mas distante de alimentar a tragédia, a película é toda esperança. Annabel, uma atuação impecável de Mia Wasikowska, encontra por vezes Enoch (Henry Hopper) em funerais e eles se aproximam. Ela mente dizendo que é voluntária no hospital do câncer, mas na verdade é paciente. 



Novo encontro ocorre em um cemitério, quando ele visita os pais, mortos em um acidente do qual sobreviveu depois de meses em coma, e, naquele cenário tão cinza, dialogam falando um do outro como se os quatro estivessem a tomar café em família. 
Aliás, a história é cheia desses momentos teatralizados,  incluindo até ensaio de uma morte romanceada. E é a arte o que mais os personagens utilizam para experimentar o “a-racional”, nada de muito misticismo diante do tema que cheira a tanto. Talvez o que mais se aproxime seja o amigo imaginário de Enoch, Hiroshi (Ryo Kase), um kamikaze que o faz companhia e é a sua salvação. 
Vi no filme diversas formas humanas de lidar com o mesmo fato, a morte que se concretizará em até 3 meses. A mãe de Annabel aparece uma ou duas vezes, a irmã é quem a acompanha ao médico se fazendo presente em todos os momentos, mesmo assustada com o fim próximo e adotando o silêncio sobre o assunto, e Enoch, que mais uma vez está diante do que o faz  sangrar há tempos. 
Mas é a visão de Annabel que se sobressai, secularizando o tema. Afinal, mesmo na iminência da morte ela continua a ler sua referência intelectual, que é Darwin. A leitura de cabeceira é sobre pássaros, dos quais tem um que chama sua atenção (e evidencia a proposta do filme): o que pensa morrer todo dia com o pôr-do-sol, e ao acordar, ainda assustado pela vida que o serve, canta de felicidade, toda alvorada.
A ternura é tanta, que foi uma beleza engraçada que enxerguei na cena em que entram no necrotério do hospital e inventam a causa da morte de alguns defuntos que ocupam o lugar. O que percebi foi uma adolescente sem tempo para cerimônias, se entregando, com delicadeza e urgência, aos dias que escasseavam. Docemente forte, intensa e leve. 
Mas arrisco a dizer que é Hiroshi o protagonista da cena mais provocativa daqueles 91 minutos, quando recita a carta que escreveu à sua amada, que não chegou a ler. Ele revela que foi mais corajoso para ser um piloto suicida do que para externar seu amor, e diz como quem tenta consolar a si mesmo "Agora entendo que a morte é fácil, o amor é que é difícil. Quando meu avião mergulhar não verei o rosto dos meus inimigos. Ao invés disso, verei seus olhos, como que rochas negras congeladas com a água da chuva. Dizem que precisamos gritar "banzai" ao atingir nosso alvo. Ao invés disso sussurrarei seu nome. E na morte, como na vida, continuarei seu para sempre."
Aqui a morte é o de menos, por que é inevitável, e a única certeza que temos. Mas até lá, o que fazemos? Como nos enlaçamos uns aos outros? Para o quê/quem vivemos? Annabel deixou tudo manifesto. Saí da sala martelando... e nós?




Por: Denise Mascarenha

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