Clarice amanheceu naquele dia,
como fazia todas as manhãs. Tomou o café evitando as notícias do mundo. Que
ultimamente as deixavam em cólera. Gostava de reservar as primeiras horas do
dia para si. Era uma forma de se resgatar. Olhou para o relógio, mas ainda era
cedo. Sentiu o tempo correr vagarosamente como se o mesmo estivesse pregando
uma peça. O condomínio onde morava ainda adormecia. O que era um alívio. Apesar
de morar só, sentia a presença alheia invadir a intimidade. Mas perdoava. Sua
retina também capturava esses pequenos fragmentos de vida solta. Um abrir de
geladeira, a concentração de um rapaz ao ler seu livro, uma dança
constrangedora num momento de solidão, um beijo roubado... Outro dia observou
uma partida de xadrez entre dois amigos na varanda vizinha. Estes não notaram
seu interesse. Distraídos na concentração de um querer aniquilar o outro.
Imaginou quem daria o golpe fatal. Captar essas atmosferas íntimas também era
uma forma de descobrir o mundo. Voltou sua atenção para a xícara de café e viu
que tinha tomado só a metade. O tempo agora corria insensível. Como sempre faz
quando menos se espera dele. Pensar demais às vezes lhe proporcionava isso. A
estranha sensação de uma xícara de café deixada pela metade.
Por: Nadja Lopes
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