domingo, 26 de fevereiro de 2012

À Espera do Ônibus



Faltavam dez minutos para o meio dia e Teresina era mais um sol a brilhar. Maria estava na parada, esperando. Chegara cinco minutos atrasada e sentiu a vida adiar mais trinta. O sangue ferveu e já não era o calor. Maria era metódica. E se o dia começava errado não terminaria melhor. O que faz uma pessoa na parada a não ser esperar? Olhou em volta e viu que não era a única. Alguns inclusive pareciam estar a muito tempo ali. E isso não a reconfortava. Nada reconforta a perda, pensava. “O todo sem a parte não é o todo”. Sua mente funcionava sem parar em momentos de espera. Era uma forma de preencher o vazio. Lembrou das vezes em que esperou em vão. O que espera a pessoa que espera? Se de início pareceu calma, do meio pro final era pura angústia. E nesse aguardar passa a vida. Não gostava da resignação. Queria a ação. Mesmo que não fosse de todo ativa. Muitos esperam a solução vir de fora, pensou. Olhou para o lado e viu seu ônibus dobrar a esquina. Chegaria meia hora atrasada para encontrar seu amigo. Mas nada que ele não pudesse esperar.

Por: Nadja Lopes

quinta-feira, 23 de fevereiro de 2012

Sangue Latino


     E por acaso encontrei o documentário “Sangue Latino” - uma entrevista com Eduardo Galeano. E sabe aquela sensação gostosa de assistir algo que te deixa inquieta e ao mesmo tempo com olhos marejados!?
     Uma visão poética da América Latina.
    O documentário inicia com o poema “Um mar de foguinhos” do autor Uruguaio:  “Um homem do povoado de Neguá, no litoral da Colômbia, conseguiu subir alto no céu e na volta contou: disse que tinha contemplado, lá de cima, a vida humana. E disse que somos um mar de foguinhos. O mundo é isso, revelou: um monte de gente, um mar de foguinhos. Não existem dois fogos iguais. Cada pessoa brilha com luz própria, entre todas as outras. Existem fogos grandes e fogos pequenos, e fogos de todas as cores. Existe gente de fogo sereno, que nem fica sabendo do vento, e existe gente de fogo louco, que enche o ar de faíscas. Alguns fogos, fogos bobos, não iluminam nem queimam. Mas outros, outros ardem a vida com tanta vontade que não se pode olhá-los sem pestanejar, e quem se aproxima se incendeia.”
     Uma conversa sobre politica, amizade, amor, utopia...

                                   
(Brasil, 2009, 25 min – Produção: Canal Brasil)


Por: Nayra Sousa

domingo, 19 de fevereiro de 2012

"The ghost who walks"


Uma descoberta e tanto, Karen Elson, têm um estilo romântico, em um sentido muito melancólico.
É tanto modelo como cantora, levantou muitas críticas e preconceitos pelo fato de ser uma modelo, por aqueles que acreditam que rostos bonitos das passarelas não têm lugar nos palcos.
Teve grande ajuda do ex marido Jack White( ex The White Stripe), o ábum foi lançado em 2010, e foi recebido com ótimas críticas, chegando a ser comparada a Nancy Sinatra! 
Fica a dica, e espero que apreciem tanto quanto eu.

Por: Nádia Graciella



Poesia


“E eu,  que implorei viver poesia, 
esqueci  que ela pode ser triste.” 
(D. M, em 18/06/2009)


Quando li a sinopse do filme “Poesia”, no seu lançamento, em 2010, o coloquei em minha lista de “filmes porvir”. 
Primeiro de Lee Chang Dong, diretor e roteirista coreano, que ouvi falar, assisti este mês. É um bom filme. Até a ausência de cortes, que em alguns momentos seriam bem vindos, pode ser entendida pela proposta de enxergar a vida nas suas miudezas.
O roteiro traz como protagonista uma senhora, Mija (Yoon Hee-jeong), que decide fazer um curso de literatura para amenizar seu esquecimento rotineiro. Acha que leva jeito por “gostar de flores e falar coisas estranhas”, como diz sua filha ao apoiá-la na decisão. Em paralelo às aulas, descobre que o esquecimento é relacionado ao Alzheimer que desenvolveu e, se não bastasse, fica sabendo que seu único neto, adolescente, pode está envolvido no suicídio de uma garota, encontrada morta num rio da cidade. Ele e mais cinco amigos a violentaram sexualmente por 6 meses, no laboratório do próprio colégio.



Apreensivos com a penalidade possível aos filhos, os pais se juntam para negociar uma indenização com a família, de 30 milhões de won (5 milhões pra cada), evitando escândalos para seus “meninos”. Preço muito alto para Mija, tanto pelo valor, quanto pelo caráter. Dos outros cinco pais, nenhum tem a sensibilidade com a mãe da moça (que já havia perdido o marido) como Mija, que é a escolhida pelo grupo para convencê-la da oferta e encerrar o caso (essa é uma das cenas mais comoventes do filme).
Nesse conflito de vida, a protagonista não consegue escrever poesia, que na sua concepção deve ser coisa bonita e seus olhos não enxergavam beleza nos dias, eram, sim, reflexos de seu contraditório (a doença; a morte da jovem; o que se obrigou a fazer para conseguir o dinheiro da reparação, e as rodas de poesia que frequentava onde essa era, por vezes, apresentada sem muito enlevo). Tudo isso deixava turvo seu propósito. 
Ao final do curso, Mija é a única da turma a escrever uma poesia, e sobre o tema que mais gastou sua mente e coração. Momento no qual meu espírito se encontrou com o dessa senhora e quando vi ter atinado, ainda mais moça, nessa abstrusa vivência, guiada por um Fernando Pessoa que anunciava ser a vitória, desconhecimento, e lucidez, ausência de irmandade com as coisas. Viver é realmente "arriscoso" e por isso Poesia não podia ser mais humano.


Por: Denise Mascarenha

sábado, 11 de fevereiro de 2012

Apelo



"Melhor viver, meu bem, pois há um lugar em que o sol brilha pra você.
Chorar, sorrir também e dançar.
Dançar na chuva quando a chuva vem"



É incrível como superelativamos momentos, pessoas e por vezes passamos tempo demais remoendo a frustração causados pelos mesmos, dessa forma não é difícil entender porque alguns de nós preferem a ilusão e o sonho à vida concretizada. Sonhar é bom, mas acredito que a realidade nunca vai ser superada. Sentir medo, angústia, adrenalina, a certeza que tudo deu errado, a certeza que tudo deu certo, é impagável, viciante e sempre deixa um gosto de quero mais. Um apelo para a alma: pare de revisitar o passado e flutuar no que ainda estar por vir, vivencie de forma plena o agora, porque é tudo que resta, porque é tudo que tem.

Por: Naira Cibele

Manhã no condomínio




Clarice amanheceu naquele dia, como fazia todas as manhãs. Tomou o café evitando as notícias do mundo. Que ultimamente as deixavam em cólera. Gostava de reservar as primeiras horas do dia para si. Era uma forma de se resgatar. Olhou para o relógio, mas ainda era cedo. Sentiu o tempo correr vagarosamente como se o mesmo estivesse pregando uma peça. O condomínio onde morava ainda adormecia. O que era um alívio. Apesar de morar só, sentia a presença alheia invadir a intimidade. Mas perdoava. Sua retina também capturava esses pequenos fragmentos de vida solta. Um abrir de geladeira, a concentração de um rapaz ao ler seu livro, uma dança constrangedora num momento de solidão, um beijo roubado... Outro dia observou uma partida de xadrez entre dois amigos na varanda vizinha. Estes não notaram seu interesse. Distraídos na concentração de um querer aniquilar o outro. Imaginou quem daria o golpe fatal. Captar essas atmosferas íntimas também era uma forma de descobrir o mundo. Voltou sua atenção para a xícara de café e viu que tinha tomado só a metade. O tempo agora corria insensível. Como sempre faz quando menos se espera dele. Pensar demais às vezes lhe proporcionava isso. A estranha sensação de uma xícara de café deixada pela metade.

Por: Nadja Lopes

segunda-feira, 6 de fevereiro de 2012

"Agora entendo que a morte é fácil, o amor é que é difícil"





Com direção de Gus Van Sant e roteiro de Jason Lew, "Inquietos" tem dois adolescentes como protagonistas em um enredo de temática forte: a morte. Mas distante de alimentar a tragédia, a película é toda esperança. Annabel, uma atuação impecável de Mia Wasikowska, encontra por vezes Enoch (Henry Hopper) em funerais e eles se aproximam. Ela mente dizendo que é voluntária no hospital do câncer, mas na verdade é paciente. 



Novo encontro ocorre em um cemitério, quando ele visita os pais, mortos em um acidente do qual sobreviveu depois de meses em coma, e, naquele cenário tão cinza, dialogam falando um do outro como se os quatro estivessem a tomar café em família. 
Aliás, a história é cheia desses momentos teatralizados,  incluindo até ensaio de uma morte romanceada. E é a arte o que mais os personagens utilizam para experimentar o “a-racional”, nada de muito misticismo diante do tema que cheira a tanto. Talvez o que mais se aproxime seja o amigo imaginário de Enoch, Hiroshi (Ryo Kase), um kamikaze que o faz companhia e é a sua salvação. 
Vi no filme diversas formas humanas de lidar com o mesmo fato, a morte que se concretizará em até 3 meses. A mãe de Annabel aparece uma ou duas vezes, a irmã é quem a acompanha ao médico se fazendo presente em todos os momentos, mesmo assustada com o fim próximo e adotando o silêncio sobre o assunto, e Enoch, que mais uma vez está diante do que o faz  sangrar há tempos. 
Mas é a visão de Annabel que se sobressai, secularizando o tema. Afinal, mesmo na iminência da morte ela continua a ler sua referência intelectual, que é Darwin. A leitura de cabeceira é sobre pássaros, dos quais tem um que chama sua atenção (e evidencia a proposta do filme): o que pensa morrer todo dia com o pôr-do-sol, e ao acordar, ainda assustado pela vida que o serve, canta de felicidade, toda alvorada.
A ternura é tanta, que foi uma beleza engraçada que enxerguei na cena em que entram no necrotério do hospital e inventam a causa da morte de alguns defuntos que ocupam o lugar. O que percebi foi uma adolescente sem tempo para cerimônias, se entregando, com delicadeza e urgência, aos dias que escasseavam. Docemente forte, intensa e leve. 
Mas arrisco a dizer que é Hiroshi o protagonista da cena mais provocativa daqueles 91 minutos, quando recita a carta que escreveu à sua amada, que não chegou a ler. Ele revela que foi mais corajoso para ser um piloto suicida do que para externar seu amor, e diz como quem tenta consolar a si mesmo "Agora entendo que a morte é fácil, o amor é que é difícil. Quando meu avião mergulhar não verei o rosto dos meus inimigos. Ao invés disso, verei seus olhos, como que rochas negras congeladas com a água da chuva. Dizem que precisamos gritar "banzai" ao atingir nosso alvo. Ao invés disso sussurrarei seu nome. E na morte, como na vida, continuarei seu para sempre."
Aqui a morte é o de menos, por que é inevitável, e a única certeza que temos. Mas até lá, o que fazemos? Como nos enlaçamos uns aos outros? Para o quê/quem vivemos? Annabel deixou tudo manifesto. Saí da sala martelando... e nós?




Por: Denise Mascarenha